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Anciã “Mãe Grande” do povo indígena Gavião morre aos 105 anos e deixa legado de resistência

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20 jun

Faleceu na madrugada desta sexta-feira (20) Ronore Akrãtikatêjê, aos 105 anos, uma das figuras mais respeitadas do povo indígena Gavião da Montanha. Conhecida carinhosamente como “Mamãe Grande”, Ronore foi testemunha e protagonista da longa trajetória de resistência do seu povo diante dos sucessivos impactos de grandes projetos implantados no território indígena, especialmente no sudeste do Pará.

Foto de 1969, feita por Expedito Arnaud, Ronore à esquerda.

A notícia foi comunicada logo ao amanhecer pela cacique Kátia, que, com a voz embargada, lamentou não apenas a perda de Ronore, mas também o fato de que a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) não cumpriu a promessa de conceder-lhe o título de Doutora Honoris Causa em vida.

“Não vou repetir o que é de conhecimento público: o protagonismo de Ronore na defesa do povo Gavião em seus 105 anos de vida e sua referência para as novas gerações!”, escreveu o professor Gerônimo Rodrigues, da Unifesspa, em publicação nas redes sociais. “Lamento também que a universidade tenha perdido a oportunidade de homenagear a Mamãe Grande em vida. Infelizmente, a burocracia e a falta de urgência para com os vivos frequentemente saem derrotadas. Não poucas vezes, a universidade se torna um ‘lugar de estudo dos mortos’, e esquece dos vivos”, concluiu.

O Grupo de Pesquisa Territórios e Etnodesenvolvimento (GPTIE) emitiu uma nota de pesar por meio do antropólogo Ribamar Ribeiro, professor do Instituto Federal do Pará (IFPA). “Nossa homenagem a quem sempre nos acolheu na Terra Indígena Mãe: Rõnõré Akrãtikatêjê. A mais meprekre do povo Gavião”, afirmou, utilizando o termo que expressa sabedoria e ancestralidade entre os Gavião.

Via redes sociais.

O Secretário Adjunto dos Povos Indígenas do Pará, Wyratan Sompré, também prestou tributo: “É com uma imensa tristeza que nos despedimos hoje da vovó Ronore, a Mamãe Grande, essa guerreira que foi e sempre será um símbolo de força, de sabedoria e resistência. T.I. Mãe Maria mais uma vez se encontra de luto.”

Testemunha da destruição

A longevidade de Mamãe Grande permitiu que ela acompanhasse — e resistisse — a uma sequência de violações aos direitos territoriais dos Gavião da Montanha. Desde a expulsão de suas terras originárias, alagadas para a criação do reservatório da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, nos anos 1980, até o reassentamento forçado na Terra Indígena Mãe Maria, no município de Bom Jesus do Tocantins, em área limítrofe ao distrito de Morada Nova, em Marabá.

Ali, os Gavião continuaram sendo impactados por outras frentes do chamado “desenvolvimento”: a construção da linha de transmissão da Eletronorte, a BR-222 (antiga PA-70), e, sobretudo, a Estrada de Ferro Carajás, da Vale, que corta a Terra Indígena e impôs ruídos, riscos e novos deslocamentos.

Mais recentemente, o povo Gavião acompanha com preocupação a possível remoção do Pedral do Lourenção, no rio Tocantins, projeto que ameaça a fauna, a flora e os cursos d’água que alimentam os igarapés e a vida na Terra Indígena.

Todos esses episódios de violência territorial foram vividos e enfrentados por Ronore — com sabedoria, firmeza e amor por sua gente.

Memória viva

A morte de Ronore é mais do que o fim de um ciclo. É um alerta sobre o apagamento de memórias que, em vida, poderiam — e deveriam — ter sido reverenciadas pelas instituições. Sua história, no entanto, permanece viva entre os Akrãtikatêjê e em todos os que reconhecem, nas lideranças indígenas, vozes centrais na defesa dos direitos humanos e da natureza.

Mamãe Grande parte, mas deixa uma semente que já floresceu: uma nova geração de lideranças indígenas, formadas por sua sabedoria e guiadas por sua coragem.

Texto de Igo Silva - Sociólogo formado pela Unifesspa e Editor -Chefe do Portal & Podcast Cidade Atual.

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