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Ocupação da SEDUC expõe tensões políticas, divisões indígenas e ameaça imagem da COP 30

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28 jan

A ocupação da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC) por lideranças indígenas e representantes da educação pública, iniciada em 14 de janeiro, já se tornou um dos principais focos de tensão política no Brasil, com repercussões que podem atingir até mesmo a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), marcada para 2025 em Belém. O protesto, que completa 13 dias, é uma resposta à Lei Estadual 10.820/2024, que alterou o modelo de ensino para comunidades indígenas, quilombolas e do campo, substituindo aulas presenciais por virtuais — uma medida considerada excludente e inadequada para a realidade dessas populações.

A resistência à lei mobilizou indígenas de diversas aldeias do Pará, que se deslocaram até a capital paraense para exigir a revogação total da legislação e a exoneração do secretário estadual de Educação, Rossieli Soares. Além da ocupação da SEDUC, grupos indígenas bloquearam a BR-163, uma das principais rodovias do estado, em protesto contra as mudanças. A Justiça Federal, após recurso do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), garantiu o direito de manifestação, revogando parcialmente a ordem de desobstrução da rodovia.

A pauta educacional e as disputas políticas

A crise na SEDUC não se limita a uma discussão sobre políticas educacionais. Ela também revela tensões políticas profundas, tanto no âmbito estadual quanto nacional. Rossieli Soares, ex-secretário de Educação em São Paulo e no Amazonas, é visto como uma indicação política direta do ex-presidente Michel Temer, aliado do governador Helder Barbalho (MDB). A nomeação de Rossieli é interpretada como parte de uma rede de alianças que remonta ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, quando Helder, então ministro da Integração Nacional, manteve-se no governo Temer.

Essa conexão política tem sido usada pelos críticos para questionar a legitimidade da gestão de Rossieli e a capacidade do governo estadual de dialogar com as comunidades indígenas. Os manifestantes acusam o secretário de desconsiderar as especificidades culturais e logísticas das populações tradicionais ao implementar o ensino virtual, medida que consideram inviável para regiões com acesso precário à internet e infraestrutura educacional deficitária.

O desgaste de Helder Barbalho e os riscos para a COP 30

O governador Helder Barbalho, que se reelegeu com ampla margem de votos em 2022 e é cotado como pré-candidato ao Senado ou à Vice-Presidência em 2026, enfrenta um desafio delicado. Como anfitrião da COP 30, ele busca projetar o Pará como um modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo. No entanto, a ocupação da SEDUC e os protestos indígenas ameaçam essa narrativa, expondo falhas nas políticas locais e colocando em xeque seu compromisso com os direitos indígenas e a justiça social.

A crise também pode ter impactos internacionais. A COP 30, que deve atrair líderes globais e organizações ambientais, corre o risco de ser ofuscada por conflitos internos, especialmente se a situação não for resolvida de maneira satisfatória. A imagem de Helder como um defensor da Amazônia e das populações tradicionais está em jogo, e a pressão por uma solução rápida e eficaz só aumenta.

Divisões internas e o papel do Ministério dos Povos Indígenas

A ocupação da SEDUC também expôs rachas dentro do movimento indígena. Nem todas as lideranças concordam com a manutenção dos protestos, especialmente após o governo sinalizar a criação de uma comissão para revisar a legislação educacional. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, destacou a necessidade de diálogo e negociação, lembrando que a manutenção de posições extremadas pode prejudicar a busca por soluções.

Sonia Guajajara foi enviada a Belém para mediar o conflito, mas sua tarefa não é simples. O descontentamento com a gestão estadual e a falta de consulta prévia na elaboração da Lei 10.820 dificultam avanços imediatos. Além disso, a exoneração de Rossieli Soares, uma das principais demandas dos manifestantes, parece ser uma concessão difícil para o governo, dada sua ligação com as alianças políticas de Helder Barbalho.

O SINTEPP e a disputa entre MDB e PSOL

Outro fator que complica o cenário é a atuação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (SINTEPP), dirigido pelo PSOL. O sindicato é acusado de instrumentalizar a ocupação para intensificar a disputa política com o governador, especialmente após o rompimento da aliança entre MDB e PSOL nas eleições municipais de Belém. A vitória de Igor Normando (MDB) na capital, encerrando o governo do PSOL, deixou marcas profundas na relação entre os partidos, e a crise na SEDUC pode ser vista como um desdobramento dessa rivalidade.

Conclusão: um impasse com múltiplas dimensões

A ocupação da SEDUC é mais do que um protesto contra uma lei impopular; ela reflete as complexidades das relações políticas no Pará e no Brasil, as divisões internas no movimento indígena e os desafios de governar em um contexto de demandas sociais urgentes e expectativas internacionais elevadas. A solução do impasse exigirá não apenas a revogação da Lei 10.820, mas também um reposicionamento estratégico do governo estadual e federal, além de um diálogo genuíno com as comunidades indígenas.

Enquanto isso, a COP 30 paira como um símbolo do que está em jogo: a capacidade do Brasil de conciliar desenvolvimento, sustentabilidade e justiça social. O desfecho dessa crise pode definir não apenas o futuro político de Helder Barbalho, mas também o legado do país como anfitrião de um dos eventos mais importantes da agenda global.

Com informações de Estado do Pará Online

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